JORGE DE SENA

[ LISBOA 1919 – SANTA BARBARA -CALIFORNIA- 1978 ]

Créditos da imagem: http://www.josepocas.com

A poesia deste escritor é marcada por uma extraordinária agilidade conceitual e repousa sobre uma sensibilidade refinada e profunda, porque se alimenta ao mesmo tempo em experiências de homem comum e de intelecual. Isso significa que sua poesia desenvolve profundas meditações sobre os mais diversos temas, mostrando-se permeável à linguagem, mas ao mesmo tempo é capaz de operar uma aliança entre a vocação de testemunha e uma ampla intenção reflexiva que a levam a explorar os desejos, os medos, as paixões e ansiedades dos quais a vida humana é feita.

Cubículo


Gente pára curiosa
ante uma cadeira onde agoniza alguém.

(E, do mesmo modo que os papéis descem do ar,
eu penso que circula, assim, um ódio
feito por medida,
um ódio que o tempo não transformará em réplica
mas cansaço de ódio.)

Lá, dentro de casa,
nãao podia morrer.
A luz entrava só pela porta
como qualquer de nós.






Felicidade


A felicidade sentava-se todos os dias no peitoril da janela.

Tinha feições de menin inconsolável.
Um menino impúbere
ainda sem amor para ninguém,
gostando apenas de demorar as mãos
ou de roçar lentamente o cabelo pelas faces humanas.

E, como menino que era,
achava um grande mistério no seu próprio nome.


do livro: Perseguição (1942)

Exame (fragmento)
 

1

Estendo as mãos
eternamente as minhas mãos
e toco a realidade sem acreditar nela.

Há casos de que as mãos não perdem a luminosidade.

A crença que eu tenha vai delicada sobre elas
buscando a própria extensão com que as enchi.







O amor não amado (fagmento)


Resolutamente me esvazio de tudo,
como o silêncio impossível de um ventre gerando,
e não há desespero que eu não abandone
ou mágoa que eu não enfureça para a abandonar.

Que vontade me encobre, pois, o termo de um desejo?








de Génesis (fragmento) 


VI

De mim não falo mais: não quero nada.
De Deus não falo: não tem outro abrigo.
Não falarei também do mundo antigo,
pois nasce e morre em cada madrugada.

Nem de existir, que é vida atraiçoada,
para sentir o tempo andar comigo;
nem de viver, que è liberdade errada,
e foge todo o Amor quando o persigo.

Por mais justiça… - Ai quantos que eram novos
em vão a esperaram, porque nunca a viram!
E a eternidade… O transfusão dos povos!

Não há verdade: o mundo não a esconde.
Tudo se vê: só se não sabe aonde.
Mortais ou imortais, todos mentiram. 




Glória


Um dia se verá que o mundo não viveu um drama.
Todas estas batalhas, todos estes crimes,
todas estas crianças que não chegaram a desdobrar-se em carne viva
e de quem, contudo, fizeram carne viva logo morta,
todos estes poetas furados por balas
e todos os outros poetas abandonados pelos que
nem coragem tiveram de matar um homem,
toda esta mocidade enganata e roubada
e a outra que morreu sabnendo que a roubavam,
todo este sangue expressamente coalhado
à face íntegra da terra,
tudo isto é o reverso glorioso do findar dos erros.

Um dia nos libertaremos da morte sem deixar de morrer.



do livro: Coroa da Terra (1946)

Ode para o futuro

Falareis de nós como de um sonho.
Crepúsculo dourado. Frases calmas.
Gestos vagarosos. Música suave.
Pensamento arguto. Subtis sorrisos.
Paisagens deslizando na distância.
Éraos livres. Falávamos, sabíamos,
e amávamos serena e docemente.

Uma angústia delida, melancólica,
sobre ela sonhareis.

E as tempestades, as desordens, gritos,
violência, escárneo, confusão odienta,
primaveras morrendo ignoradas
nas encostas vizinhas, as prisões,
as mortes, o amor vendido,
as lágrimas e as lutas,
o desespero da vida que nos roubam
- apenas uma angústia melancólica,
sobre a qual sonhareis a idade de oiro.

E, em segredo, saudosos, enlevados, 
falareis de nós – de nós! - como de um sonho.


do livro: Pedra filosofal (1950)

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