Ainda hoje estudiosos e leitores não têm podido acolher em todo o seu âmbito a contribuição de Maria Azenha para a poesia portuguesa contemporânea. Uma poesia que define os papéis e lugares da escrita para delinear sua incidência na relação entre mulher e sociedade. A escrita assegura à Azenha a liberdade e a coragem de dizer exatamente o seu pensamento, tendo em mente que a criação artística depende da relação com a realidade. Além de vagar com seus versos no coração das memórias de infância em busca de uma verdade precária, a autora também fala sobre sua relação com o mar, reafirmando os componentes do movimento e da liberdade. A morte é outro dos principais temas de sua escrita, é traduzida com uma linguagem culta e ainda transparente, alheia às implicações lógicas, aludindo a um equilíbrio harmonioso entre a fisicalidade e as inserções metafísicas.
chuva marítima
é noite geral
a linha da pobreza
O presente constitui para Maria Azenha o único tempo próprio para a poesia, sem passado. Não seria correcto dizer também sem futuro, porque o futuro, assim como o passado já estão absorvidos por si mesmos num presente absoluto e intangível que é o presente da palavra. De tal forma, tempo e palavra não se excluem, só se separam para unir-se incessantemente. A poética da Azenha se consome nesta transição temporal de uma realidade que se murcha sem cessar. Portanto, ante a lembrança, a poeta vai em busca da inocência da palavra e o fará sondando no interior de nossa hermética vida até encontrar esse centro desde o qual é possível possuí-lo já tudo, ou perdê-lo. Os versos da Azenha são um encantamento para descobrir essa realidade cuja marca se encontra na ávida angústia da interioridade.
até explodir nos lábios
Três mães. Três poemas de areia
Se um poeta não trabalha para chegar ao fim para propor sua própria visão da alma, da sociedade, do cosmos, para que ele trabalha? Uma cosmovisão amadurece lentamente no trabalho de um poeta. E o poeta como meio da palavra tem mais deveres do que um apresentador, um rapper, um influenciador ou um político que muitas vezes não sabe o que diz, e o que diz é resolvido em simples banalidade. O poeta conta a realidade dos sentimentos individuais, da história coletiva, para que o espírito e a qualidade dos tempos mudem. Tudo pode mudar, e de fato muda, nada pode ser feito para impedi-lo. Diante desta
situação, a solidariedade de destino socialmente criado não é uma questão de escolha.
Quando lemos de que visão do mundo Maria Azenha é portadora, somos nós mesmos diante de um mundo, da diferença, da complexidade e da maravilha das coisas. A curiosidade contida em seus versos nos arrasta onde ainda podemos descobrir os fragmentos da verdade sobre nossa alma e sobre a sociedade e a própria civilização em que vivemos. Assim, os seus são poemas que interpretam o mundo, mostrando o animado no inanimado, o visível no invisível.
O niilismo presente na nossa contemporaneidade, é expresso como a lógica da «morte de Deus», da vontade superadora, da recuperação de sentido. Hoje a lógica niilista é a secularização, a autonomia e a globalização como lógicas pós/modernas de compreensão do «eu», da «realidade» e da «história». A palavra de Maria Azenha não finge de não ver a presença de forças esmagadoras que tentam extinguir a natureza dentro e fora do homem, o valor único e sagrado da pessoa humana, e da própria linguagem, mas faz uso duma palavra que acredita em suas próprias razões e a defendem a todo custo.
eles estão aí! eles estão aí!
Entrando no terceiro milênio, Azenha continua a observar, investigar, analisar sua realidade interior e a do mundo externo, revelando a agudeza e fortaleza que nos permitem entrar no coração de seu pensamento e investigar a qualidade de sua mensagem. Uma poesia, portanto, que quer revelar ao próprio homem seu ser em sentido ontológico, histórico e emocional, e dar respostas de autenticidade humana. Enfim, a Poesia de Maria Azenha supõe a repercussão de uma conquista individual e coletiva, de uma ocupação e preocupação do nosso tempo presente como objeto de reflexão, de uma consequente reinterpretação do protagonismo do sujeito na construção de sua história.