EDUARDA CHIOTE | Trás-os-Montes (Bragança) 1930

Créditos: http://camelecocacola.blogspot.com

É verdadeiramente surpreendente que no século XXI, apesar das inúmeras declarações sobre os direitos das mulheres e sobre minorias de todos os tipos, ainda seja difícil tornar acessíveis muitos textos escritos por mulheres. Em particular, os textos literários que não se encaixam nos cânones prescritos para todas aquelas que estão prestes a escrever. Para algumas, como Eduarda Chiote, escrever em verso é um ato de revolta contra a realidade, contra Deus, contra a moralidade de Deus que é realidade. É uma tentativa de corrigi-la porque não aceita a vida e o mundo como eles são. A não aceitação da vida, tal como é entendida pelo nosso tempo, pela nossa sociedade, pela família, torna esta poeta uma dissidente do mundo. O olhar que gostaria impor-se é aquele que reflete os traços de uma distante remoção de instâncias naturais em favor de leis ditadas pela inevitabilidade de viver os papéis de gênero de forma civil. As escolhas de Eduarda se configuram, contudo, como uma transgressão que, por estar no corpo de uma mulher, é censurada pelo establishment.

Para a autora identificar-se com o esvaziamento de nossa atual estrutura conceitual é um obstáculo à nossa natureza, porque surge a incapacidade de poder expressar os sentimentos aos outros. No mundo diante de nós, tudo parece visível, mas no final é muito limitado. Para sair deste impasse, só podemos actuar através do grande impacto da palavra poética, e este é um exercício que tem de nos arrastar ao mais fundo e desafiar mais profundamente as convenções da tradição, não só de natureza social, mas também a indulgência dessas pessoas que acatam tudo para ser devoradas pelo mundo. A poesia pode ser o maior desafio desta realidade.

───────•◈•───────

Conversa da Autora com Arnaldo Saraiva e José Emílio-Nelson.

───────•◈•───────

Cega tragicidade


Hoje possuí-te o corpo
que te havia
abandonado. Estavas branco,
acabado de morrer
cegamente.
Só a mim cabia o cobrir-te a nudez
com a toalha de banho
ou o abandonar-te
no quarto do hotel,
chamando o porteiro de
urgência.
Ainda há pouco,
tomado de contracções, o teu pénis enrijecera,
e, para meu espanto,
ejaculara sozinho
e atónito.
Lasso, pendera para o lado esquerdo,
tombando
sob a tua virilha: um pequeno animal
dócil.
Toquei-o leve.
Reagiu, enfastiado.
Sustentava-o ainda uma tristeza
terrena: o resto de um cheiro
bom. A séme.
Bebi-to, debruçada sobre
o que atravessara essa deliciosa
ferida, interrogando-a: -Então… és tu, prazer
amado, o fim de um homem?
A alma não dava, nele, o mínimo sinal
de recusa.
Colhi-a em minha boca.
E foi nesse instante que me apercibi
de que o nosso exílio
não seria nunca definitivo.
Debrucei-me sobre o recorte dos teus lábios
e aspirei neles o sopro da minha
própria fala.
Queimava.
O teu corpo era agora o meu
- uma frieza como jamais havia sentido, definindo
a des(razões) do meu copular
a morte.



do livro: Poesia sempre, "Portugal", Ministério da cultura. Fundação Biblioteca Nacional, N.26, ano 14, Rio de Janeiro, 2007.

───────•◈•───────

ALTO VOAM AS POMBAS




Falo de pombas
porque nada sei para além
de que mansas não são as minhas (outras pombas).
Humilhado tacto
em coroados dedos.
Falo de pombas porque alto voam se olho.
Labirintos de espantos. E de medos.
Falo de pombas
embalsamadas pombas
não das que vêem, como cristal vampiro
beber gesso e ócio
em Praças de Rossio. De Veneza.
Falo de líricas e prostitutas pombas: doce caverna
de uma escrita cega.


Revista Sema, Perspectivas da cultura portuguesa, n.4, junho 1982.

António José Cravo (Ahcravo Gorim) | Setúbal 1951

Créditos: https://ahcravo.com/

da autobiografia do autor:

Ahcravo Gorim (António José Cravo), descendente de ílhavos e murtoseiros. Aposentado, tem dois filhos, quatro netos e um brinco na orelha. Até informação em contrário está vivo, faz coisas e, de preferência, questiona publicou o que pôde, como pôde e onde pôde – pela primeira vez nos “cadernos do 40” em Coimbra. Livros mesmo, publicou dois, ambos esgotados – sou tudo o que aqui encontras – quando o mar trabalha.

alimenta o blog: https://ahcravo.com/

(ir ao mar; costa de lavos; 2017)


do livro: quando o mar trabalha de José António Cravo, Editora Journey Spirit Lda, 2018.

caminho na areia
não sou daqui
estranho este chão macio
quase não chão
quero ver os meus irmãos
trabalhadores do mar
saber de outras fainas
venho de negro
a minha cor desde que
também eu amo o mar
por isso
até morrer
o venho sempre visitar









o mar imenso confunde-se
com o azul do céu
a areia estende-se a perder de vista
nela se afogam as ondas em murmúrios de sufoco
em terra a arte prepara-se
homens barco redes
tudo espera a nova maré
o novo lanço
é verão
é preciso ganhar o pão









sou a que fica em terra
à espera dele
a que trabalha desde que as pernas
suportam o corpo
até que o corpo as não sinta
sou a que grita
quando o mar está bravo
o barco sobe na crista da onda
o arrais
bota! bota! bota!
sou a que se faz ouvir no nevoeiro
dizendo que a terra é aqui



(Torreira; regata da ria; 2013)

este rosto vos deixo em testamento
riqueza única amealhada
em vida
sou todos os que foram
fui todos os que serão:
destino com porta virada para o mar
este rosto vos deixo
de ser eu
Pescador da Xávega
este rosto vos deixo
cuidai de o não esquecer









nestes dias de sal
a queimar a pele
seca de tanto sol
sou mais que eu
sou “a mulher”
na areia quente
da praia
camarada da companha
sou
nas fainas de terra
ombreio com todos
mas
serei mais mulher ainda
quando o sol se puser
e vieres ter comigo
falando com voz de pão
sopa um copo
o corpo









aqui nasci
por entre redes
caixas de peixe
sorvendo maresia
para o mar
o meu primeiro olhar
das ondas
o meu primeiro embalo
na areia caminho
como se terra
na companha
como se homem
aqui me farei mulher
terei meu homem e filhos
salgados todos
de tanto mar


O amor que António Cravo mostra pelo elemento líquido e pelos habitantes radicados naquele trecho do oceano Atlântico que leva o nome de Torreira, é o que mais caracteriza sua produção poética e imagens. Excelente fotógrafo, seus retratos de moliceiros e xávegas, são evidências de uma humanidade em cujos rostos, corpos e gestos o autor esboça com facilidade sua marca individual, pessoal e irrepetível.


KONICA MINOLTA DIGITAL CAMERA

(condeixa; 2006)

(o carregar do saco seco; praia da leirosa; 2019)

KONICA MINOLTA DIGITAL CAMERA

(praia de mira: 2008)

PHILIP LARKIN | Coventry 1922 – Hull 1985

Crediti: https:⁄⁄mypoeticside.com

Non c’è dubbio che la produzione in versi di Philip Larkin coglie appieno le ansie e le preoccupazioni, gli atteggiamenti e la mentalità della classe media britannica e ben incarna il carattere degli intellettuali del dopoguerra che sentono il bisogno di partecipare alla vita politica della società, ma che allo stesso tempo la paventano. Il suo veicolo espressivo privilegiato che respinge ogni forma di compiacimento riguarda temi quali la malattia e la vecchiaia. Attraverso di essi Larkin sottopone a riflessione la realtà di chi si sente ormai abbandonato a se stesso o, in altri casi, si sofferma sul presente di chi traccia il proprio bilancio esistenziale come insieme di rimorsi e fallimenti.

Inoltre, Larkin si sente anche spinto dalle grandi cause sociali. Tuttavia non cela la propria diffidenza nei confronti dei gesti fastosi e della retorica pomposa che spesso le accompagna. Si può asserire che uno dei suoi maggiori pregi è proprio la capacità di analizzare il quotidiano e i suoi piccoli dettagli, così come trattare i temi universali e astratti senza scinderli da situazioni socialmente specifiche, che a loro volta si fondono con le proprie inquietudini individuali con uno sguardo su ciò che ormai è perduto.


Le poesie trascritte in questo spazio sono state tratte dall’edizione einaudiana curata da Enrico Testa, Philip Larkin, Finestre alte, Torino, Einaudi, 2002.


Finestre alte


Quando vedo una coppia di ragazzi
e penso che lui se la scopa e che lei
prende la pillola o si mette il diaframma,
so che questo è il paradiso

che ogni  vecchio ha sognato per tutta la vita -
legami e gesti messi da parte
come una mietitrebbia arrugginita,
e ogni giovane che va giù per lo scivolo

di una felicità senza fine. Chissà
se qualcuno osservandomi, quarant'anni fa,
ha pensato: Quella sarà la vita;
non più Dio, non più sudore e paura la notte

per l'inferno e per tutto il resto, non più
il dovere di nascondere quello che pensi del prete.
Lui e quelli come lui tutti giù per lo scivolo
come maledetti uccelli liberi. E all'improvviso

non una parola viene, ma il pensiero di finestre alte:
il vetro che assorbe il sole,
e, al di là, l'aria azzurra e profonda, che non mostra
nulla, che non è da nessuna parte, che non ha fine.









Vecchi scemi


Ma cosa pensano che sia successo, quei vecchi scemi,
per ridursi così? Credono forse che tenere spalancata
                   la bocca
e sbavare e pisciarsi addosso di continuo
e scordarsi di chi li ha visitati stamane
li renda più adulti? O che, a volerlo, si potrebbe far tornare
indietro le cose fino a quando ballavano per tutta la notte,
o andavano a sposarsi o portavano il fucile in settembre?
O fantasticano forse che in realtà niente è cambiato,
e che loro si sono sempre comportati da sciancati o
                    ubriachi,
seduti per giorni tra esili sogni incessanti
ad osservare la luce agitarsi? Se non lo fanno ( e non
                    possono farlo ), è strano:
                            perché non gridano?

Morendo, si va in frantumi: i pezzetti che erano te
incominciano, in gran fretta, a salutarsi l'un l'altro per
                    sempre,
inavvertiti da tutti. È solo oblio, certo:
ci capitava anche prima, ma allora finiva,
ed era continuamente assorbito in unico sforzo
teso a far sbocciare il fiore dal milione di petali
dell'essere qua. La prossima volta non potrai fingere
che ci sia qualcos'altro. E questi sono i primi sintomi:
non sapere come, non sentire chi, il potere di scegliere
svanito. Il loro aspetto mostra che sono prossimi:
capelli di cenere, mani di rospo, volti rugosi come prugne
                    secche -
                            Come possono far finta di nulla?

Ma forse essere vecchi è avere stanze illuminate
dentro la testa, e in esse delle persone, che recitano.
Persone che conosci, ma di cui ti sfugge il nome;
ognuno appare in lontananza come un vuoto profondo
                            che si colma:
si volta sulla soglia di casa, sistema una lampada, sorride
                            da una scala,
prende un libro già letto dallo scaffale; oppure qualche
                             volta,
soltanto quelle stanze, le sedie e un fuoco ardente
o, alla finestra, un cespuglio mosso dal vento o il sole,
timido e gentile, sul muro una serata solitaria
di mezza estate dopo l'acquazzone. È la che vivono:
non qui e adesso, ma là dove tutto è successo un tempo.
                              È per questo che suscitano

un'aria di sconcertata assenza: cercano di essere là
e sono ancora qui. Infatti le stanze svaniscono, lasciando
un freddo buono a niente, il continuo logorio
dell'affanno - e loro a ripiegarsi sotto
l'alpe dell'estinzione, vecchi scemi che non s'accorgono
                               mai
quanto è vicina. È per questo forse che se ne restano calmi:
quel picco che noi, ovunque andiamo, ci troviamo di
                              fronte agli occhi
è per loro un'erta da salire. Potranno mai raccontare
cos'è che li strascina indietro, e come andrà a finire?
Non di sera? Non all'arrivo degli stranieri? E neppure
                             attraverso
tutta quell'orrenda infanzia alla rovescia? Be',
                             lo scopriremo.



Posterità



Jake Balokowsky, il mio biografo,
ha un microfilm di questa pagina. Seduto
nella sua cella ad aria condizionata a Kennedy
in jeans e scarpe da ginnastica, non ha motivo
di nascondere una certa impazienza sul suo destino:
« È almeno un anno che sto dietro a questo vecchio
                    scoreggione;

io volevo insegnare in una scuola a Tel Aviv,
ma i genitori di Myra - e fa il gesto di contar soldi -
insistevano per un posto all'Università. Quando ci sono
                    dei bambini...»
Scrolla le spalle. «È morto da far schifo, il mio progetto
                    di ricerca;
lascia che lo mandi in malora 'sto bastardo,
mi prenderò un paio di semestri di congedo

per lavorare sul teatro di protesta». S'alzano entrambi
e vanno verso il distributore della Coca-Cola. «A chi 
                    somiglia?
Cristo, te l'ho già detto. Oh, lo sai, è roba da manuale
                    scadente,
buona per matricole di Psicologia,
priva di mordente o di casi interessanti -
uno di quei tipi vecchio stampo squinternati di natura».









Vers de société



Mia moglie ed io abbiamo chiesto a un mucchio di merde
di venire a sprecare il loro tempo e il nostro:
vorreste forse unirvi a noi? Col cazzo! amico.
Il giorno sta per finire.
La stufa a gas sbuffa e, cupi, gli alberi oscillano.
E così Caro Warlock-Williams: io temo che -

Strano quant'è duro esser soli.
Potrei passare metà delle mie serate, se lo volessi,
con un bicchiere di sherry dilavato in mano,curvo a raccogliere le ciarle di una puttana
che non ha letto altro che Which;
eh sì, pensa a tutto il tempo libero

che è volato via dritto nel nulla, riempito
di facce e di forchette, invece di esser ripagato
sotto una lampada, ascoltando il rumore del vento
e guardando fuori la luna assottigliarsi
in una lama affilata dall'aria.
Una vita, eppure con quanta severità s'è insinuato che

ogni solitudine è egoista. Ora nessuno crede
che l'eremita con tanto di piatto e di mantello
parli con Dio (che per giunta se n'è andato); il grande
                   desiderio
è d'avere qualcuno gentile con te, il che significa
poi doverlo in qualche modo ripagare.
La virtù è sociale. Si gioca, dunque, con queste abitudini

al gioco della bontà, come l'andare in chiesa?
Qualcosa che ci annoia e che non riusciamo a fare bene
(interrogando quel somaro sulla sua stupida ricerca)
ma che comunque cerchiamo di sentire, perché,
anche se in maniera grossolana, ci mostra quello che
                    dovrebbe essere?
Troppa sottigliezza e anche troppa decenza, in questo.
                    Accidenti!

soltanto i giovani possono essere liberi e soli.
Ormai il tempo è poco per la compagnia
e stare seduti accanto ad una lampada sempre più spesso
                    porta
non la pace, ma altre cose.
Al di là della luce stanno rimorso e fallimento
sussurrando Caro Warlock Williams: Perché,
                   naturalmente -


IDEA VILARIÑO | Montevideo 1920 – 2009

“Quiero decir esto: Todo lo que he plasmado en poesía, todo lo que pasó a la libreta de poesías, es lo único que he vivido verdaderamente. Todo lo que yo diga sentir que no esté apoyado en un poema, puede no ser cierto”.

  12 de Octubre de 1941 (Idea Vilariño. Diario de juventud)

Profesora, traductora crítica literaria, pero se distinguió sobre todo en poesía.

Fue la poeta del yo, de la soledad y de su incuestionable amor hacia el escritor Juan Carlos Onetti. Su voz poética es honda, descarnada e impregnada de vida, enfermedad y muerte. La soledad es para la Vilariño tal vez la única forma de padecer la desolación y poder así construir el universo poético que la caracterizó. Cada poema constituye una confesión de la fugacidad de los momentos felices y de la persistencia temporal del sentimiento doloroso y desolador de la existencia y de las leyes que la gobiernan. El lector descubre en estos poemas que todo lo que está siendo dicho por la autora acontece a partir de la voz con la que ella se dice, porque hay en Idea la expresión comunicativa del artista verdadero, de aquel que, pronunciando su ser, pronuncia el de todos.

En su juventud, Idea Vilariño formó parte del grupo de intelectuales denominado «Generación del 45», quienes se encargaron de insuflar a la literatura uruguaya el cosmopolitismo modernizador proveniente de Europa y de América, una vez finalizada la guerra. A lo largo de su carrera su desempeño como activista cultural la lleva a centrarse en la difusión de la literatura y la poesía latinoamericana a la que se sumará por haber sido una de las figuras centrales de las letras uruguayas del siglo XX.

UN HUÉSPED


No sos mío
no estás
en mi vida
a mi lado
no comés en mi mesa
ni reís ni cantás
ni vivís para mí.
Somos ajenos
tú
y yo misma
y mi casa.
Sos un extraño
un huésped
que no busca no quiere
más que una cama
a veces.
Qué puedo hacer
cedértela
pero yo vivo sola.











LA NOCHE



La noche no era el sueño
era su boca
era su hermoso cuerpo despojado
de sus gestos inútiles
era su cara pálida mirándome en la sombra.
La noche era su boca
su fuerza y su pasión
era sus ojos serios
esas piedras de sombra
cayéndose en mis ojos
y era su amor en mí
invadiendo tan lenta
tan misteriosamente.


Idea Vilariño, Poemas de amor, acali editorial, Montevideo, 1979.

Créditos: Archivo Biblioteca Nacional. Manuscrito Idea Vilariño. Foto: https://rea.ceibal.edu.uy/

DONDE


Dónde el sueño cumplido
y dónde el loco amor
que todos
o que algunos
siempre
tras la serena máscara
pedimos de rodillas.









MALDITO SEA EL DÍA


                                                     «Maudite soit la nuit»
                                                                                     Ch. B.



Aplastadas las horas de la resaca
del día por lo alto en lamparones
quedándose en el aire
de las estrellas acá
colgando
y tú y yo y tú pisando lo del día
es decir olvidando la memoria
es decir tú y yo y tú
nosotros mismos
por una vez por fin
por fin
después de todo
dejado todo aquello por el aire
desembocando enteros como piedras
en el agua
en el ámbito intacto de una noche
que no alcanza nadie
como piedras
arrastradas rodando por el lecho
musgoso y bien cavado por los siglos.




Idea Vilariño, Poemas de amor, acali editorial, Montevideo, 1979.

ESO



Mi cansancio
mi angustia
mi alegría
mi pavor
mi humildad
mis noches todas
mi nostalgia del año
mil novecientos treinta
mi sentido común
mi rebeldía
mi desdén
mi crueldad y mi congoja
mi abandono
mi llanto
mi agonía
mi herencia irrenunciable y dolorosa
mi sufrimiento
en fin
mi pobre vida.









CARTA I




Como ando por la casa
diciéndote querido
con fervorosa voz
con desesperación
de que pobre palabra
no alcance a acariciarte
a sacrificar algo
a dar por ti la vida
querido
a convocarte
a hacer algo por esto
por este amor inválido.
Y eso es todo
querido.
Digo querido y veo
tus ojos todavía pegados a mis ojos
como atados de amor
mirándome mirándome
mientras que nos amábamos
mirándome tus ojos
tu cara toda
tú
y era de vida o muerte
estar así
mirarnos.
Y cierro las ventanas diciéndote
querido
querido y no me importa
que estés en otra cosa
y que ya ni te acuerdes.
Yo me estoy detenida
en tu mirar aquel
en tu mirada aquella
en nuestro amor mirándonos
y voy enajenada por la casa
apagando las luces
guardando los vestidos
pensando en ti
mirándote
sin dejarte caer
anhelándote
amándote
diciéndote querido.










NO HAY NINGUNA ESPERANZA


No hay ninguna esperanza
de que todo se arregle
de que ceda el dolor
y el mundo se organice.
No hay que confiar en que
la vida ordene sus
caóticas instancias
sus ademanes ciegos.
No habrá un final feliz
ni un beso interminable
absorto y entregado
que preludie otros días.
Tampoco habrá una fresca
mañana perfumada
de joven primavera
para empezar alegres.
Más bien todo el dolor
invadirá de nuevo
y no habrá cosa libre
de su mácula dura.
Habrá que continuar
que seguir, respirando
que soportar la luz
y maldecir el sueño
que cocinar sin fe
fornicar sin pasión
masticar con desgano
para siempre sin lágrimas.









POBRE MUNDO


Lo van a deshacer
va a volar en pedazos
al fin reventará como una pompa
o estallará glorioso
como una santabárbara
o más sencillamente
será borrado como
si una esponja mojada
borrara su lugar en el espacio.
Tal vez no lo consigan
tal vez van a limpiarlo
se le caerá la vida como una cabellera
y quedará rodando
como una esfera pura
estéril y mortal
o menos bellamente
andará por los cielos
pudriéndose despacio
como una llaga entera
como un muerto.


Idea Vilariño, Material de Lectura, Serie Poesía Moderna, núm. 153, de la Coordinación de Difusión Cultural de la UNAM, México, 2012.