
No Livro das Quedas. Ars Moriendi (Roma Editora, 2005), para Casimiro de Brito a morte é um acontecimento trágico e angustiante, porque vê nela a tremenda foice que corta inexoravelmente e cruelmente o fio da existência, afundando as pessoas no abismo do nada. Apesar da certeza que o autor coloca sobre o fato de que com a morte o ser do homem não está extinto, no entanto, isso marca o fim de uma prova irrepetível. Como situação decisiva da vida, a morte representa, em comparação com a vida, uma passagem para um outro lugar para o qual se pode ir como a própria fundação, como para aquilo em que se encontrará a realização, mesmo que incompreensível… (“a vida do mundo é um bem ilusório”, Alcorão, 3, 185) porque é e permanece excluído das possibilidades cognitivas do intelecto.
2 Um homem vai no seu corpo e subitamente cai. Ouço desmoronar-se a sílica do coração___Os ramos da noite impedem-me saltar, não há fronteira entre mim e o mundo. E pouco ou nada me sobra desa morte: o corpo desarnado e um falso conhecimento dos caminhos em volta. Levantado no meio da Coisa vou no rio em que me banho___surpreendido com o rumor dos meus passos esqueço o que passou – bem queria! Passos antigos são sílabas que me queimam a boca, excrementos. As coisas não têm segredos, são fugazes quando rugosas, motanhosas se parecem lisas. Conhecem o rumor de quem partiu, a repiração que vem de longe e me toca neste instante fundador não sei de quê. Vou esquecê-lo também. Pouco, muito pouco me sobra da minha morte. Heraclito 10 Não esqueço nada: abraçado à chama dos meus dias também eu ardo sabendo que sou já cinza.
13 Eu sei que vou morrer Por todo o meu caminho vou morrer Estranha fanasia do meu ser Olhar-me ao espelho a fenecer. Eu sei que sou passagem Em toda a minha vida sou passagem O ar a cobrar-me a portagem Expulsa-me do reino da aragem. Eu sei que vou cair No seio da mãe terra vou cair Aconchegado enfim ao meu menir Que vai cair-me em cima e florir. Eu sei que não demoro Em frafas emprestadas não demoro Que nada nesta vida é duradouro E sorvo o sumo dela, de que morro. 29 Se não tivessemos inventado a dor e a morte, outro galo cantaria. Também a alma, outra invenção alucinada, dói. A morte é uma construção fantástica e não é ela que não existe mas o corpo que muda pois não há corpo (nem estilo) desligado da teia comum, da música mais vasta de ser. Como se fôssemos donos de uma carne que não nos pertence, uma pele, um osso à deriva num rio que nos esqueceu. Não é assim. Esta paixão não tem nada de original, é a floração de febres antigas, uma vertigem que não cessa de fulminar. Por isso ardo e canto e não creio em nada. Que fazer então? Pouso o olhar nos teus dedos envolvendo a chávena e fico a ouvir o que resta do coração.
32 Se não existe o que vejo, se a música nocturna é uma mentira composta pela exaltação dos meus sentidos, bom será que eu veja de novo, obsessivamente, a gota de suor, a mancha no espelho, o sorriso dos livros fechados ou deixe de ver, ouvir, amar de uma vez por todas. Se Deus está cego e nada sabe da usura é natural que eu escreva meljor às escuras. 38 Escrevo pássaros e nada sei do corpo deles nem das suas inclinações – nada sei do amor tão pleno de falsificações. Se canto, se escrevo assim às escuras na noite do meu lençol é porque não sei incorporar os ruidos, os buracos da casa nem olhar para o lado e ver por dentro o rosto amado, o sono da filha – o sabor da passagem do tempo.
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Estimado amigo António : Por acaso deparei-me com o poema de João Damasceno publicado por si no seu blog e devo confessar que fui atingido por um raio. Procurei na Internet por mais poemas e esse sentimento de admiração foi ainda mais fortalecido. Seus versos lembram os do espanhol Leopoldo Maria Panero, ou os do alemão Klaus Kinski. Eu queria saber de você como posso encontrar um livro dele, já que notei que nas livrarias online não existe.
Uma saudação muito cordial.
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