Uma característica essencial da vida emocional desta autora é o seu estado afetivo que é apresentado como a experiência de seu caráter individual. A poesia da Sampaio passa pelas raízes do mal, movendo-se entre certezas alucinadas, invocações afetuosas e relâmpagos de delírio. No entanto, para aqueles curtos circuitos da mente que atropelam o amor e o próprio ser, a escrita pode reverter plenamente a angústia dos dias, opondo-se à heterogeneidade evasiva dos elementos, a possibilidade de abraçar o Tudo, deixando de lado o caos, deixando, por alguns breves momentos, as instâncias da melancolia.
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Tu sentado na praça. Entre nós uma enorme quantidade de frio., uma reunião de pombos e dis taxistas de dentadura lunar. Comove-me esta intensa fila para se chegar à ginja como se assim se chegasse à verdade das coisas, aos braços tão curtos da solidão ibérica. Comove-me a velha que sobe as saias em busca. A juventude não vem. E olhámo-nos a desmaiar a calçada porque a verdade somos nós desencontrados nesta praça onde liberdade é não sabermos de ninguém. Por aqui está tudo certo, até o nojo da insensatez arquitectónica. E não falamos não falamos não voltamos a desiludir os pedaços de um casal abandonado aos rissóis e à guitarra em esmola estamos em margens diferentes e no Rossio não há pontes. Porque nesta praça onde se chora o frio quer-se que os dias sejam sempre iguais até à loucura dos que não bebem. Quando nos encontramos cairão os últimos tremores sobre as pernas e a tua cabeça no meu colo dentro lembrará a humanidade toda porque é assim que o mundo começa e é assim que o mundo acaba. Do livro de Cláudia R. Sampaio, Ver no escuro, Lisboa, Tinta-da-china, 2021.
É agora, que te foste embora, o momento em que nos conhecemos melhor. É agora, entre este espaço vazio que vai da minha boca à tua, que está toda a verdade desembocada em glória. Aqui estou eu sentada a perder-te. Aqui estou eu a ser-nos aos dois enquanto ainda é noite, a adiar que seja amanhã quando vou rebentar como as lâmpadas. Aquie estou eu a escrever enquanto não encontro o meu corpo que foi contigo atirado ao teu ombro em casaco pesado sem etiqueta por favor não engomes. Depois não seremos mais nada para além deste lamber de chão. Seremos apenas passado recente, passado passado, passado passadíssimo uma folga chata que ficou mal esticada. Depois não haverá o teu rasto entre as portas, nem o eco do teu cheiro, nem o teu estremecimento nocturno, que era também o meu. E eu tenho tanta pena de estar aqui a perder-te porque o meu amor não é Jesus ressuscitado a cada prego tão novo como uma metáfora atinado como um rebanho quente erguido em dedos longos, desdobrado. E agora sou uma esponja e encolho porque ainda estamos a reduzir-nos em violentíssimo eco Adeus, eus, eus Mas amanhã não. Amanhã não haverá retorno nem cola que nos junte as vidas porque o amor é agora, neste preciso instante em que levam o lixo, em que a minha cara encolhe e se enruga em sal, em que sou feia, em que não estás. O amor é agora, mesmo quando somos as palavras esmagadas contra os vidros e a violência lindíssima de dois corpos mirrados de costas voltadas. Amanhã não. Amanhã não celebro em brados cegos o futuro calmo da secura de um rio. Do livro de Cláudia R. Sampaio, Ver no escuro, Lisboa, Tinta-da-china, 2021.
Tragam-me um homem que me levante com os olhos que em mim deposite o fim da tragédia com a graça de um balão acabado de encher tragam-me um homem que venha em baldes, solto e líquido para se misturar em mim com a fé nupccial de rapaz prometido a despir-se leve, leve um principiante de pássaro tragam-me um homem que me ame em círculos que me ame em medos, que me ame em risos que me ame em autocarros de roda no precipicio e me devolva as olheiras em gratidão de estarmos vivos um homem homem, um homem criança um homem mulher um homem florido de noites nos cabelos um homem aquático em lume e inteiro um homem casa, um homem inverno um homem com boca de crepúsculo inclinado de coração prefácio à espera de ser escrito tragam-me um homem que me queira em mim que eu erga em hemisférios e espalhe e cante um homem mundo onde me possa perder e que dedo a dedo me tire as farpas dos olhos atirando-me à ilusão de sermos duas novíssimas nuvens em pé. Do livro de Cláudia R. Sampaio, Ver no escuro, Lisboa, Tinta-da-china, 2021.
Passei todo aquele poema a viver. Lambi as palavras desde a folha ao início de mim, palavras presas na curva dos olhos por onde desceu depois um verbo. Vivi repetidamente. E dentro desta anáfora descobri que um momento nunca é igual a outro. Como um poema. Como eu, que nunca sou igual a mim própria. Às vezes sou eu sem ser. Às vezes morro erguida para que me desfiem e vistam. Do livro de Cláudia R. Sampaio, Ver no escuro, Lisboa, Tinta-da-china, 2021.
Existo até à memória como um peixe às volta. Excepto isto, encaminho-me aos Deuses com uma garrafa de vinho e os olhos para dentro. Excepto isto esta mulher extremamente ao acaso numa extrema cama exausta Tenho os olhos muito magros à espera da vida toda. Em cada um deles há uma mulher por abrir e isso requer as navalhadas de um dia mais, estremecer. E depois arder em flores de Inverno, lúcida neste hospital onde tentam ensinar-me cores com doentes cintilantes queimando asas, salvando médicos sendo átomos e florestas sorrindo aos gritos, balançando no indizível morrendo transparentes Do livro de Cláudia R. Sampaio, Ver no escuro, Lisboa, Tinta-da-china, 2021.
… e levo
abraço
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L’ha ripubblicato su ahcravo gorim Bloge ha commentato:
o prazer da poesia
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