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Desta vez vai-se falar do poeta António Franco Alexandre e da sua produção juvenil, ou seja, um universo poético que o público leitor dos anos oitenta ainda não conhecia. Os seus primeiros versos apareceram em uma revista antológica que tinha um nome muito singular, porque lembrava o bíblico: Sião. Publicada em 1987, esta revista deu espaço à nova poesia que surgiu entre o fim da ditadura e a primeira metade dos anos oitenta. Efectivamente, parte da produção inédita de autores que já tinham publicado, mas também a de autores nunca publicados em livro, teve a possibilidade de se conhecer a través esta revista. Os criadores e colaboradores de Sião foram Rui Baião, Al Berto e Paulo Costa Domingos.
Sião tinha uma identidade heterodoxa, cuja intenção era pretender substituir um sistema de valores e uma visão da vida desalentadora com outra idealista de paz, esperança e libertação. António Franco foi um desses autores que deu prova de sua escrita através deste meio. Seu esordiente poético aposta em efeitos de linguagem com quebras sintáticas, transgressão e construções inusitadas. A sua poderia ser definida uma poética de fragmentos que a través da estilística discursiva determina a consequente re-uniâo de si. A experiência poética se traduz à maneira de um encontro erôtico-lírico em que não sempre pode se dar a reconciliaçâo do desejo, testemunha de um vazio a que se lança o homem contemporâneo.
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COITO todos os sítios presos como me pesa o braço de ouro esta tarde de sandálias atadas ao coração com a boca húmida de esperma & contraceptivos eficazes escrevemos o poema com o pavor da baba sobre os olhos mentindo devagar. é um parque? são a nudez? o calcário despega-se dos ossos, os ossos do chão, o chão do sítio o que fica depois é o lugar livre de te pegar numa terceira mão e soletrar o parágrafo tantode código civil. não. esta nudez cola-se-me ao corpo, ao braço de ouro, à humidade inquieta dos dentes. foeda est in coitu (et brevis) voluptas. o que fica depois? É um lugar de lençóis, de lâmpadas partidas, de muitos dedos dentro do ânus, de leis incompossíveis. a linha recta que estende o sítio, oculta o sítio, resvala sobre o sítio. nela o espítito (logos) desata o seu pavor. um rastro? vejamos o fogo: deserto. O ar poeira. a água dissipada. e a terra que os mistura, um rastro de olhos presos. é a névoa? ser nu é uma névoa? assim se despega dos sítios a palavra, a palavra da baba, a baba do pénis. despega-se do tempo, colada aos dentes, a um lugar livre de sandálias & bismuto de ouro. é um rio? diz-me de amor, cos dedos no calcário. parágrafo mil. esperma certificado conforme. posição admitida. vejamos: o fogo. assim se dissipa o chão do sossos, os ossos da nudez, a nudez de ser nu. depois o que fica? foeda est in coitu etc. fica a palavra. palavra que fica. e fica um lugar. um sítio de rastros, um sítio deserto. um ar a pavor. sandálias na boca. um resto de sítios atados nos ossos. é um coração? fica sobre aterra o espaço das mãos. mas entre o seguinte: entre os ossos e o chão.
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PARIS, SUMÁRIO 1 paris, o ar, a traqueia vertida, dormir em pé nos bancos (lénine) do parque ratazana : dormir pelo sofá (freud) do Hotel di Brasil ao 6° andar sem as- censor de olhar tão lentamente a pedra, o rio, a folha, que o fio a dissolver-se trans pareça a pura forma de ar, íris, parure 2 paris, o desemprego. açorda de gente em pasmo, cenoura matinal & mal cozida. acertar a samarra ao apito do campo (campo) onde bois, esterco, o ventre hospitaleiro, a machada de cobre à entrada das alfândegas. passo a mão pelo teu rostro repensando que nos resta comer a mão do céu ou, microscópica, a vaca do deleuze. 3 paris, astrologia. antes da lei: a regra de estar juntos no mar interno à veia: diz-se (lei bniz) do compossível sofre, traqueia, o golpe das dedadas no chumbo: esperando Staurno no quadrante de Vé nus. 4 volta, paris, à terra prometida: jerus além de garra fão & diner’s club: que o fio ao dividir-se transpareça em sua sombra a pedra, a folha, o rio. 5 paris, bosque de vin scènes dez da manhã: de tal i qual no brr aço, & no pinheiro cartazes délecê. 6 asa sem paz (aro), migrante: de empire state no bolso azul de cheviote, édipo duro dura, assobiando madra-goa em chicago, bar-d(o) e máfia. paris, ocasional: pele da pele, e- terna. acaso um salto: a dança: íris de riso, um rio. de Sião, 1987
PARIS, SUMÁRIO 1 paris, o ar, a traqueia vertida, dormir em pé nos bancos (lénine) do parque ratazana : dormir pelo sofá (freud) do Hotel di Brasil ao 6° andar sem as- censor de olhar tão lentamente a pedra, o rio, a folha, que o fio a dissolver-se trans pareça a pura forma de ar, íris, parure 2 paris, o desemprego. açorda de gente em pasmo, cenoura matinal & mal cozida. acertar a samarra ao apito do campo (campo) onde bois, esterco, o ventre hospitaleiro, a machada de cobre à entrada das alfândegas. passo a mão pelo teu rostro repensando que nos resta comer a mão do céu ou, microscópica, a vaca do deleuze. 3 paris, astrologia. antes da lei: a regra de estar juntos no mar interno à veia: diz-se (lei bniz) do compossível sofre, traqueia, o golpe das dedadas no chumbo: esperando Staurno no quadrante de Vé nus. 4 volta, paris, à terra prometida: jerus além de garra fão & diner’s club: que o fio ao dividir-se transpareça em sua sombra a pedra, a folha, o rio. 5paris, bosque de vin scènes dez da manhã: de tal i qual no brr aço, & no pinheiro cartazes délecê. 6 asa sem paz (aro), migrante: de empire state no bolso azul de cheviote, édipo duro dura, assobiando madra-goa em chicago, bar-d(o) e máfia. paris, ocasional: pele da pele, e- terna. acaso um salto: a dança: íris de riso, um rio. de Sião, 1987 VENEZA, TRAVESSIA porque amanhece, subindo a casa calcária, súbitas asas espalhadas no silêncio da rocha: o próprio asco da água calcinada, a curva líquida de merda à beira do palazzo, & o doce ventre onde uma espiga ardente jorra na piazza o céu dentro dos vidros. saba a cà foscari! os dentes ácidos de sementes que bradas, il manifesto deitado sobre a cama, junto ao sexo. desabotoando a camisola verde, dizia «os braços, & na porta de areia os turistas pacientemente esmagavam o papel dos chuveiros. dizia, «o torso, & eu sentia, no quadrado cerrado, o suor escorrido dos lábios. dizia, «a neve, algures o vento, & as lajes molhadas, um resto de cinza contra os olhos, enquanto as asas se despiam, vagarosas. porque amanhece. almoço de bataglia c/spaghetti. mrs. Stone roendo as implacáveis unhas. a mão que dobra, lenta, a dobra dos cabelos. a flor pousa nos pássaro. miragem. quase noite. vago, de hasjish, o acre minuto de falar. dizia «ninguém, & o quarto quebrado, as mesas onde o mundo pousa os dedos, porque certamente amanhece. dizia, «o medo, & o ombro levantado ameaçava os dias. invento. a água, o testículo de ouro, a lâmina das folhas. invento. na bicicleta verde, pousava sobre o pêlo: a flor. & o quarto quebrado, a franja das falanges sobre a curva das asas. a pálida brancura das gavetas. o crânio do silêncio contra a mesa. In vento. Manhãs, quando se parte, de dentro das esquinas, dizia, «o sol, algures o sangue., & as mãos espalhavam a pele, cobriam cuidadosas os ossos, o lençol. noite fora crescia a bicicleta verde, de cornos espetados sobre o olhar deserto. esmagava, no peito, o papel das sementes. dizia «o ar, & repartido o trigo, amanhecia. a casa, escura. a relva incendiada e por dentro da luz, a seiva do calcário, miragem. invento. o sol partido em dois. azul. e quase noite os degraus encardidos, a cama onde adormece o moedeiro falso. colar a boca aos passos, o desejo. devagar se despindo, dizia «o mar, algures os astros, & a boza amealhava o uro ardido. Invento. o ombro de água, a ruga onde começa a brancura das asas. horizontal respira. a carne mansa, do calor da relva deitada sobre a cama, junto às lajes. Uma manhã, invento. dentro da chuva, erguido sobre a cinza, dizia «quase noite, então amanhecia. ao fundo, longe, vê: a poeira nos pulsos, & a mão se dobra, lenta, no travão das rodas. despindo em torno o ar, dizia, «o dia, & os aviões roncavam sobre a areia. Subindo o céu de vidro, a casa desertada, ao longe a cúpula dos sinos, a névoa de são marco. ventre que a noite invade, madrugador o pão dos embarcados. não invento. papel de azul, as asas. um fio cortado a vento. Inclinado nos olhos, olhava. Inclinado nas unhas, olhava, dizia, «amanhece, porque amanhecia. de Sião, 1987.